10/04/08

Ai Bahia, Bahia-de-Todos-os-Santos


Katinguelê, Katinguelê
Katinguelê, Katinguelá
Quem não tem cabelo
Não carrega trança
Quem não tem amor na Bahia
Não manda lembrança
Katinguelê, Katinguelê
Katinguelê, Katinguelá


«Nós somos todos quem nos faz a História»
[Fernando Pessoa]

Lindo, fúnebre e solitário são três adjectivos que Maria Filomena Mónica usou para descrever Dom Pedro, o quinto deste nome, que reinou em Portugal de 1853 a 1861. Esperava, com ânsia, esta biografia, apesar de vir das mãos de uma socióloga de formação e não de um historiador. Nestas coisas sou, cada vez mais, um purista. Mas, dado que tinha gostado e continuo a gostar do trabalho de MFM sobre Eça de Queirós, punha grandes expectativas no trabalho sobre o rei que mais admiro na História de Portugal. Fiquei francamente desiludido. Longe do trabalho de análise de José Mattoso sobre Afonso Henriques, Maria Filomena Mónica conduz, com mestria - não há dúvida disso - um longo discurso sobre a época da Regeneração; período em que Dom Pedro teve a sorte de nascer e reinar, mas quando se dirige ao monarca, sua personalidade e acções, dá constantemente uma no cravo e outra na ferradura. Ela própria tem o bom senso de avisar no prólogo, ao dizer que a sua «visão de D. Pedro mudou ao longo do tempo, mas isto aconteceu - o que é estranho - de uma forma não linear.
Não passei de um dia para o outro da tese de D. Pedro ser um monarca petulante, pérfido e funesto, para a concepção de que, pelo contrário, fora um rei romântico e honesto» (p. 8).
Grande parte do livro é dedicado a avaliar as relações de D. Pedro com Fontes Pereira de Melo, o «ídolo» de Maria Filomena Mónica, e à medida que o primeiro vai perdendo a confiança no segundo, também a autora vai desenhando a impressão de um rei absolutamente cruel com aqueles que o serviam - em particular com o «pobre» Fontes que até modernizou o país e a quem o monarca dedicava profundo desprezo… a avaliação a preto e branco que M.F.M. não queria para esta biografia torna-se numa luta maniqueísta, entre o pedante príncipe e rei e o puro, simples e frugal Fontes Pereira de Melo, um suposto self made man que trouxe a Civilização ao país.
Outras vezes - menos vezes, porém-, MFM lá se rende à imagem do rei-belo, culto, profundamente entregue ao seu país e a um trabalho inglório de intervenção régia no recém implantado sistema partidário nacional - inglório porque D. Pedro («mais coburgo do que Bragança», como a própria autora refere numa miserável conclusão que deslustra a obra inteira…) nasceu no sítio errado, no tempo errado. O que não deixa de ser verdade, mas não tira qualquer mérito a este monarca de cristal aprisionado num castelo de areia que era o Portugal de meados de oitocentos - não muito diferente, aliás, do país de hoje: corrupção, uma nobreza ociosa e profundamente boçal, um povo indolente e incapaz constituiam a amálgama social da época.
D. Pedro enchia os ministros e o Paço com anotações e memorandos. Lia tudo, queria saber tudo, queria dar opinião sobre tudo. Era um obcecado, disso não há dúvida. E um incompreendido. Escarnecia do país, mas, ao mesmo tempo amava-o, sem que o fatalismo e incapacidade de tudo resolver, lhe deixassem assumir a função de salvador da pátria.
Mas a dimensão do rei é mensurável, sobretudo, pela leitura das cartas que trocou com o seu tio Alberto, marido da rainha Vitória. Textos absolutamente bem redigidos com observações que ainda hoje são actuais. Se há algum defeito a imputar a Dom Pedro V, tal defeito será o da impaciência.
Recusar-se a adequar a sua personalidade ao seu tempo e à dos débeis homens que o rodearam teve como paga a morte precoce. Não deixou de ser, efectivamente, e como MFM o adjectiva, «lindo, fúnebre e solitário» - para mim qualidades que assentam bem num monarca

Sem comentários: