03/07/06

FUI



O barco vai de saída

Adeus ao cais de Alfama

Se agora vou de partida

Levo-te comigo ó cana verde

Lembra-te de mim ó meu amor

Lembra-te de mim nesta aventura

P'ra lá da loucura

P'ra lá do Equador

Ah mas que ingrata ventura

Bem me posso queixar

da Pátria a pouca fartura

Cheia de mágoas

ai quebra-mar

Com tantos perigos

ai minha vida

Com tantos medos e sobressaltos

Que eu já vou aos saltos

Que eu vou de fugida

Sem contar essa história escondida

Por servir de criado essa senhora

Serviu-se ela também tão sedutora

Foi pecado

Foi pecado

E foi pecado sim senhor

Que vida boa era a de Lisboa?

Gingão de roda batida

corsário sem cruzado

ao som do baile mandado

em terra de pimenta e maravilha

com sonhos de prata e fantasia

com sonhos da cor do arco-íris

desvaira se os vires

desvairas magias

Já tenho a vela enfunada

marrano sem vergonha

judeu sem coisa nem fronha

vou de viagem

ai que largada

só vejo cores

ai que alegrias

só vejo piratas e tesouros

são pratas, são ouros,

são noites, são dias

Vou no espantoso trono das águas

vou no tremendo assopro dos ventos

vou por cima dos meus pensamentos

arrepia arrepia

e arrepia sim senhor

que vida boa era a de Lisboa?

O mar das águas ardendo

o delírio do céu

a fúria do barlavento

arreia a vela e vai marujo ao leme

vira o barco e cai marujo ao mar

vira o barco na curva da morte

e olha a minha sorte

e olha o meu azar

e depois do barco virado

grandes urros e gritos na salvação dos aflitos

estala, mata, agarra,

ai quem me ajuda

reza, implora, escapa,

ai que pagode

rezam tremem heróis e eunucos

são mouros, são turcos

são mouros acode!

Aquilo é uma tempestade medonha

aquilo vai p'ra lá do que é eterno

aquilo era o retrato do inferno

vai ao fundo,vai ao fundo

e vai ao fundo sim senhor

que vida boa é a de Lisboa?

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